
A língua de Camões sempre me desafiou. Ora por suas regras incalculáveis, ora pela pluralidade que lhe é peculiar. Encantei-me cedo, o gosto pela língua materna surgiu ao folhear as páginas de “O Pequeno Príncipe”, obra-prima do jornalista e piloto francês Antoine de Saint-Exupéry, uma fábula cheia de metáforas e enigmas que me instigavam a cada página.
Talvez o fato de ter aprendido a ler muito cedo tenha contribuído com essa paixão, mas acredito que o fator preponderante foi crescer ouvindo "um português com açúcar", expressão utilizada pelo grande escritor luso, Eça de Queirós, ao se referir ao falar dos brasileiros. Tal suposição encontra suporte teórico nas palavras do “pai da lingüística moderna”, Ferdinand de Saussure ao afirmar que “a língua é produzida socialmente” e como fruto do meio ela nos é constantemente adquirida. Nessa visão saussuriana “a língua é parte social da linguagem, exterior ao indivíduo”, e o homem, como ser social, tem necessidade de se comunicar, se expressar e perpetuar experiências nesse contexto da vida em sociedade.
Trazida por Cabral às terras do pau-brasil, a língua portuguesa constitui-se em elemento determinante na construção da identidade cultural do povo brasileiro, recebendo influências não só do latim, originário da região do Lácio, no centro da Itália antiga; mas também de outras línguas, como o grego, árabe, espanhol, italiano, africano e as línguas indígenas das mais diversas etnias, como o tupinambá e o tupi, além de muitas outras. O português passou por uma significativa evolução histórica recebendo contribuições de várias culturas formando a língua que falamos hoje e que se moderniza acompanhando a evolução global.
Para além dos objetivos da expansão lusitana, a língua portuguesa foi largamente difundida, sendo na atualidade, a língua oficial em oito países de quatro continentes: Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor Leste. O resultado dessa difusão é um número significante de falantes de português pelo mundo, e uma consequente organização dos mesmos, com a criação da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), em 1996, com o intuito de uniformizar e difundir a língua através da cooperação e do intercâmbio cultural entre os países membros.
Atualmente, "a doce língua", assim chamada pelo romancista espanhol Miguel de Cervantes, possui aproximadamente 240 milhões de falantes nativos e é a quinta língua mais falada no mundo segundo a Agência de Notícias de Portugal. Outro dado interessante é a estimativa fornecida pelo site de estatísticas mundiais da Internet, o Internet World Stats que revela o português como o sexto idioma mais utilizado na rede mundial de computadores, com 73 milhões de usuários, o que mostra a considerável posição da nossa língua no âmbito mundial.
A língua portuguesa é fonte de inspiração para diversos poetas, não só brasileiros, mas também estrangeiros, como a brasileira naturalizada Clarice Lispector, que expressa sua admiração pelo português em versos: “Fiz da língua portuguesa a minha vida interior, o meu pensamento mais íntimo, usei-a para palavras de amor”. Essa língua abundante em poesia, tão retratada pelos poetas, é a mesma com que nos comunicamos em nosso cotidiano. E para visualizarmos melhor a riqueza desse idioma, é necessário que busquemos conhecer suas raízes históricas, sua expansão, a relação com outras culturas, sua característica dinâmica e poética e sua projeção no mundo enquanto língua oficial de um país em crescente ascensão econômica e política.
No livro do Desassossego, o heterônimo Bernardo Soares, do poeta e escritor português Fernando Pessoa, reproduz sua paixão pela língua através da frase "Minha pátria é a língua portuguesa", onde traduz com eloquência sua visão patriota. E é com esse mesmo entusiasmo que reverencio minha língua materna, rica em vocábulos, repleta de proparoxítonas, ambiguidades e redundâncias. Ela é a expressão plena da diversidade cultural do povo brasileiro, prova contundente de que a afirmação do poeta Olavo Bilac: “A última flor do Lácio”, é realmente uma herança inestimável.
Nenhum comentário:
Postar um comentário