terça-feira, 2 de novembro de 2010

O Sorriso do palhaço


... não é a primeira vez que isso me ocorre. Na verdade, há algum tempo passei a enxergar as coisas de uma maneira diferente. Não sei se em virtude de uma vida muito conturbada, agitada. Mas parece que tudo está estranho, nada mais é como antigamente...

Lembrei-me de uma infância não tão distante, dos deslumbres de criança, das explosões de felicidade, dos rompantes de uma alegria inocente e simples. Na ânsia de crescer, esquecemos do quanto as pequenas coisas nos faziam felizes. Hoje, nosso desejo premente clama por coisas palpáveis, por um carro novo, uma casa, um apartamento...

Quando criança, sonhei em ser astronauta. Uma proximidade com a lua inspirava boa parte das minhas brincadeiras. Imaginava-me caminhando no terreno desconforme, conversando com o dragão, passeando por entre as estrelas. Foi quando conheci o Pequeno Príncipe e aprendi que na lua, num planeta, ou dentro de uma caixa, pode haver tudo que a minha imaginação quiser.
Mas a minha imaginação foi, aos poucos, dando lugar a minha razão. A racionalidade que me distingue do dragão transformou-me no que sou hoje. E o hoje, frequentemente quer voltar atrás... Percebi que é o passado que nos alimenta. Nossas experiências anteriores, como diz Paulo Freire, é que formam a nossa visão de mundo, então o que sou hoje, é resultado de tudo que vivi anteriormente.

Pois bem. Enquanto o meu eu de hoje dirigia despretensiosamente pelas ruas da cidade, uma placa chamou minha atenção, decodifiquei-a: circo novo na cidade. Surpreendentemente, enquanto o meu eu de hoje guiava minha vida e minhas responsabilidades, o meu eu do passado rememorava a empolgação circense que essa notícia trazia. Ah, o circo! Crianças eufóricas, animais, música, dança e palhaços... Como eu adorava os palhaços! Mas confesso que nunca entendi porque se maquiavam. Sempre quis conhecer um, sempre quis descobrir como faziam para serem tão felizes... Sonhei em ser palhaço, também...

“-Verde! O sinal abriu!” A criança do carro ao lado narrava a vida. Segui adiante, mas o pensamento ainda pairava sobre aquela figura camuflada. “Quem inventou que o palhaço tem que se pintar?” Essa era a pergunta que mais me instigava enquanto criança. Será que hoje sei responder? “Ora, o palhaço pinta o rosto para viver!” Mas, certamente, essa resposta não atenderia às expectativas daquela menina que se guardara dentro de mim.

Nada mais é como antigamente. Os sorrisos não brotam mais com tanta facilidade... Os sonhos já não alcançam mais a lua... Não converso mais com dragões. Não quero mais ser astronauta, e descobri que atrás daquele nariz de palhaço e da pintura colorida há um estranho.
Estranho, nada mais é como antigamente... Abri a minha caixa da imaginação e fui ao circo me encontrar...

“Se tivesse acreditado na minha brincadeira de dizer verdades teria ouvido verdades que teimo em dizer brincando” Charles Chaplin

“A última flor do Lácio”

Vencedor do Expocom Regional Norte - Intercom 2010 no Acre


A língua de Camões sempre me desafiou. Ora por suas regras incalculáveis, ora pela pluralidade que lhe é peculiar. Encantei-me cedo, o gosto pela língua materna surgiu ao folhear as páginas de “O Pequeno Príncipe”, obra-prima do jornalista e piloto francês Antoine de Saint-Exupéry, uma fábula cheia de metáforas e enigmas que me instigavam a cada página.

Talvez o fato de ter aprendido a ler muito cedo tenha contribuído com essa paixão, mas acredito que o fator preponderante foi crescer ouvindo "um português com açúcar", expressão utilizada pelo grande escritor luso, Eça de Queirós, ao se referir ao falar dos brasileiros. Tal suposição encontra suporte teórico nas palavras do “pai da lingüística moderna”, Ferdinand de Saussure ao afirmar que “a língua é produzida socialmente” e como fruto do meio ela nos é constantemente adquirida. Nessa visão saussuriana “a língua é parte social da linguagem, exterior ao indivíduo”, e o homem, como ser social, tem necessidade de se comunicar, se expressar e perpetuar experiências nesse contexto da vida em sociedade.

Trazida por Cabral às terras do pau-brasil, a língua portuguesa constitui-se em elemento determinante na construção da identidade cultural do povo brasileiro, recebendo influências não só do latim, originário da região do Lácio, no centro da Itália antiga; mas também de outras línguas, como o grego, árabe, espanhol, italiano, africano e as línguas indígenas das mais diversas etnias, como o tupinambá e o tupi, além de muitas outras. O português passou por uma significativa evolução histórica recebendo contribuições de várias culturas formando a língua que falamos hoje e que se moderniza acompanhando a evolução global.

Para além dos objetivos da expansão lusitana, a língua portuguesa foi largamente difundida, sendo na atualidade, a língua oficial em oito países de quatro continentes: Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor Leste. O resultado dessa difusão é um número significante de falantes de português pelo mundo, e uma consequente organização dos mesmos, com a criação da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), em 1996, com o intuito de uniformizar e difundir a língua através da cooperação e do intercâmbio cultural entre os países membros.

Atualmente, "a doce língua", assim chamada pelo romancista espanhol Miguel de Cervantes, possui aproximadamente 240 milhões de falantes nativos e é a quinta língua mais falada no mundo segundo a Agência de Notícias de Portugal. Outro dado interessante é a estimativa fornecida pelo site de estatísticas mundiais da Internet, o Internet World Stats que revela o português como o sexto idioma mais utilizado na rede mundial de computadores, com 73 milhões de usuários, o que mostra a considerável posição da nossa língua no âmbito mundial.

A língua portuguesa é fonte de inspiração para diversos poetas, não só brasileiros, mas também estrangeiros, como a brasileira naturalizada Clarice Lispector, que expressa sua admiração pelo português em versos: “Fiz da língua portuguesa a minha vida interior, o meu pensamento mais íntimo, usei-a para palavras de amor”. Essa língua abundante em poesia, tão retratada pelos poetas, é a mesma com que nos comunicamos em nosso cotidiano. E para visualizarmos melhor a riqueza desse idioma, é necessário que busquemos conhecer suas raízes históricas, sua expansão, a relação com outras culturas, sua característica dinâmica e poética e sua projeção no mundo enquanto língua oficial de um país em crescente ascensão econômica e política.

No livro do Desassossego, o heterônimo Bernardo Soares, do poeta e escritor português Fernando Pessoa, reproduz sua paixão pela língua através da frase "Minha pátria é a língua portuguesa", onde traduz com eloquência sua visão patriota. E é com esse mesmo entusiasmo que reverencio minha língua materna, rica em vocábulos, repleta de proparoxítonas, ambiguidades e redundâncias. Ela é a expressão plena da diversidade cultural do povo brasileiro, prova contundente de que a afirmação do poeta Olavo Bilac: “A última flor do Lácio”, é realmente uma herança inestimável.